A região amazônica, conhecida por sua vastidão e biodiversidade, apresenta desafios únicos em termos de comunicação. Com áreas remotas e comunidades isoladas, a disseminação de informações é frequentemente um desafio. A falta de infraestrutura de telecomunicações e acesso à internet em muitas áreas torna difícil para as pessoas se manterem informadas sobre questões locais e nacionais, inclusive aquelas que dizem respeito às atividades que dependem da exploração das riquezas da região, como é o caso do garimpo.
Mais recentemente, o acesso à internet via satélite tem se popularizado e ampliado o acesso a redes sociais, que têm se convertido em canais de informação para além dos tradicionais rádio e televisão, popularmente conhecidos, mas nem sempre acessíveis devido às condições geográficas da região.
População garimpeira sente necessidade de informação oficial
Renan Lopes, de 34 anos, garimpeiro de Rondônia, se informa basicamente pelos portais de notícia locais, que por estarem em uma região de garimpo, fazem uma cobertura frequente do tema. Ele afirma que não costuma acessar sites governamentais, seja do Estado ou Federal, dependendo da imprensa para obter informações sobre leis implementadas ou revogadas. “Sobre lei, o que mais procuramos é sobre áreas que a gente trabalha, para saber se está tudo certo, sobre óleo, sobre algum derramamento, sobre multa. Sobre essas coisas é o que a gente sempre procura estar em dia, para poder trabalhar correto (sic)”, ressalta.
As pesquisas de campo indicam que a grande maioria da população trabalhando no garimpo ainda possui ensino fundamental incompleto, em níveis abaixo da média brasileira e não consome informação como parte regular do dia a dia. No Pará e no Amapá o projeto encontrou pessoas sem documentação básica de identificação, que não possuem telefone celular e que não tem conta bancária. São essas pessoas que vislumbram no garimpo uma forma de ganhar um salário que garante melhor qualidade de vida para si próprio e sua família, sem precisar de qualificação formal – ainda que isso envolva longas jornadas de trabalho.
Quando questionados sobre a razão de não possuírem conta bancária a explicação se resume a “aqui não precisa” e “não consegui abrir” – por falta de documentação. Nos relatos conformados, contam que não há necessidade de ter documentos ou acesso ao sistema bancário numa região em que o Estado é praticamente ausente. Apesar disso, manifestam o desejo de um futuro com maior participação do poder público, principalmente nas áreas de saúde e educação.
Novos canais de comunicação começam a se popularizar
As redes sociais começaram a se difundir entre os mais jovens, com destaque para os grupos de mensagem instantânea, como o WhatsApp, que ganharam força nos últimos anos devido à ampliação da internet via satélite. Lopes considera que canais informativos nesse aplicativo seriam uma boa iniciativa para manter os trabalhadores informados.
“Eu acho que falta, hoje, grupos de comunicações internas sobre a realidade que está acontecendo, novas leis que saíram. Eu não vou dizer nas redes sociais, porque pouca gente do garimpo usa. Mas o WhatsApp hoje é realidade em toda a draga”, explica. Para Lopes esse seria o canal mais fácil de ter adesão pela comunidade: “Hoje, por exemplo, um senhorzinho de idade sabe mexer no WhatsApp. Tem um grupinho lá, ele sabe ler, sabe ver tudinho, mas ele não vai entrar no Instagram, não vai conseguir entrar num site”, argumenta.
Juciete de Andrade, de Porto Velho, compartilha da percepção de Lopes sobre a difusão do WhatsApp como o principal canal de comunicação e informação local. Atuando como cozinheira no garimpo, ela relembra: “o grupo de WhatsApp é a melhor forma que a gente tem para se comunicar, para a notícia chegar mais rápido. Melhorou muito, antigamente não era assim”.
Para se manter informada, Juciete afirma que costuma pesquisar informações navegando na internet e assistindo jornais pela televisão. Quando questionada por onde se informa sobre novas leis a respeito do garimpo, ela é categórica: “Eu, no meu caso, gosto de assistir jornal, é onde a gente fica atualizada, procuro saber das coisas. Se não for assim, não tem como a gente saber”.
Juciete traz para a conversa outro elemento atrelado a essa popularização das mensagens sem curadoria e que circulam facilmente pelos aplicativos: as fake news ou notícias falsas. “O que acontece é que eu tenho uma opinião, aí outras pessoas têm outro tipo de opinião, aquilo [a notícia falsa] chegou no meu telefone, de repente eu sei se é fake news ou não, mas a outra pessoa não sabe. Aí ela vê aquilo e sai repassando, não sabe nem o que está acontecendo”, explica.
Para ela, seria importante olhar para este aspecto e ajudar a enfrentar o problema. “Se tiver um programa para facilitar isso, para bloquear [as notícias falsas], do meu ponto de vista, melhoraria”, reflete.
Incluir e capacitar as pessoas para receber e entender a informação é essencial para qualquer transformação sustentável
A comunicação desempenha um papel fundamental para o sucesso de qualquer iniciativa de exploração sustentável dos recursos naturais que seja planejada para a região. Durante as incursões técnicas em diversas localidades de sete estados amazônicos, o projeto Ouro Sem Mercúrio teve contato com inúmeros relatos de pessoas que não conseguem acesso à informação para resolver problemas básicos, como a aposentadoria, ou tomar conhecimento sobre novas regras, leis e projetos que sejam aprovados a nível de país.
O caso de um senhor de 75 anos que continua trabalhando diariamente no garimpo por não conseguir se aposentar como garimpeiro nem como agricultor — e que nunca contribuiu para a previdência de outra forma — ilustra a problemática da região: a falta de informação e a ausência do estado com serviços essenciais que possam ir além do braço da lei.
A comunicadora do projeto Ouro Sem Mercúrio, Ébida Santos, destaca um dos pontos sensíveis: a dificuldade de acessar informações técnicas e jurídicas tão específicas por meio de canais convencionais como jornais e televisão. “Os relatos dão conta de que as pessoas depositam nos jornais a confiança de que haverá ali informação suficiente sobre a atividade que exercem. E isso não é uma verdade. Dificilmente os jornais darão orientações técnicas para que a pessoa esteja preparada para se adequar às legislações” explica.
Para ela, é crucial que se entenda como esse problema de acesso à informação gera uma série de outras dificuldades. “Geralmente, quem mais sofre são os trabalhadores, a ‘ponta mais fraca’ do sistema. O governo deve, portanto, desenvolver políticas públicas e mecanismos ativos de acesso à informação que contemplem essas comunidades remotas, garantindo-lhes o direito à informação. Isso inclui o desenvolvimento de programas educativos e plataformas que facilitem esse acesso, considerando a realidade local de cada comunidade,” complementa.